domingo, 19 de outubro de 2008

SEM CEIA

Diz o velho anexim,com imensa verdade:
Quem tiver muitos filhos
E pouco pão
Tome-os de mão e diga-lhes
Uma canção

Um pobre homem sobre a desgraça de achar-se viúvo de repente,viu-se com uma caterva de filhos sem ter com que os sustentar. Com a fraca jorna e alguma caridade dos vizinhos que conheciam a sua miséria,ia amparando as crianças. À lareira,os filhos cercavam-no,um chorava,outro pedia pão,aquele dizia que estava a cair com fome,e o pobre pai para os calar,começava a alentá-los com uma pequena esperança risonha:
- Hoje não tive quem fiasse uma broa;é preciso ter paciência. Os ventos são como a sorte,mudam,e amanhã posso ter um carneiro,que bem assadinho para o jantar...
- Ó pai! há-de-me dar um bocadinho da perna?
- Com certeza,e com duas batatinhas.
- Eu,dizia um outro,eu queria...(Já lhe custava falar).
- Sim,guisado,também é muito bom.
- E que tenha muito molho,acode outro,para eu molhar o pão.
- E até fazer fatias grossas,acrescentava o pai.
- Pois eu,disse o mais pequeno,hei-de esfarelar o pão no molho.
- Olhe cá,eu gosto mais de batatas.
- Aquele quer comer tudo! (Põe-se a choramingar).
- Não vai a afligir,filhos! Também se faz um bom arroz com a fressura de carneiro.
- Que bom! e arroz! de que eu gosto tanto.
- Também me há-de dar arroz,pai?
- Um prato bem cheio?
- Está dito,interrompeu o pai. Agora é preciso que sosseguem;durmam,durmam.
Daí a pouco era tudo silêncio naquele lar desvalido,embaladas as crianças na grata ilusão que anestesiara aqueles estômagos vazios. E os vizinhos que escutaram a conversa do carneiro assado e guisado com batatas,murmuraram entre si:
- Vai recebendo as nossas esmolas,e trata os filhos a carneiro assado e guisado com batatas.

(Alentejo)

TEÓFILO BRAGA
Contos Tradicionais do Povo Português
Volume I 2ª edição
Publicações Dom Quixote
Lisboa 1995

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