domingo, 4 de janeiro de 2009

TEXTOS DE UM ACASO - I

Cortava o coração. O pai remexia,nervosamente,na carteira,com lágrimas caladas prestes a brotarem,e de lá tirou,a muito custo,uma nota pequenina. O filho aceitou,mas compreendeu que não devia mais bater àquela porta. Seria uma violência ou uma impiedade.
Que fazer? Olhou á sua volta angustiado. A quem recorrer? Por vergonha,ou por orgulho,tanto faz,não se dirigiu a algumas pessoas que lhe podiam dar a mão,ali perto. Foi para longe esmolar. Um estranho recolheu-o por uns dias e outro por uns anos. Felizmente que aparecem,às vezes,como por milagre,bons samaritanos.
A estrutura frágil das entranhas não suportou transe assim,quase se desmoronando. Fez apelo a energias escondidas e lá se recompôs um tanto. Ficou,porém,durante longo tempo,muito limitado nos gestos,parecendo que uma corda de cem nós o apertava;alguns foi desfazendo,com grande esforço,mas outros vieram substituí-los. Há vidas enredadas.
Como é de prever,não teve percurso pacífico. Entraves inesperados,porque ingénuo,surgiram-lhe a cada passo:pistas falsas,lobos encarniçados,armadilhas astuciosas,cascas de banana em sítios escolhidos,intrigas subtis,traições descaradas,mentiras clamorosas,invejas incontidas. Quase foi marginalizado. Pelo menos,assim o dava a entender o isolamento de grande parte da caminhada.
Nunca voltou,por tudo isto,a ser o mesmo dos tempos da juventude. A promessa não se concretizara. Lá dentro,bem no fundo,habitavam,também,marcas de feridas passadas,que doíam sempre,por vezes,muito. Cada um tem a sua cruz,como é uso dizer-se,talvez à sua medida,mas cruz pessoal,intransmissível.

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